Por Professora Denise Ferreira
Existem muitas definições sobre o que é alfabetização, mas basicamente todas apontam que alfabetizar é uma habilidade de aquisição cognitiva básica, a chave para colocar a criança dentro do contexto da aprendizagem.
Inegavelmente o rendimento escolar depende muito da compreensão do que se lê, então precisamos ter clareza sobre o que as crianças precisam aprender e saber o que podemos fazer para ajudar a criança a avançar na aprendizagem.
Nessa conversa, nossa intenção é trazer informações baseadas em evidências científicas relacionadas à alfabetização que possam ajudar na aprendizagem das crianças agora.
APONTANDO caminhos
Aprender a ler não é um processo natural em que a criança consiga realizar sozinha. É preciso intervenção didática sistematizada com a ajuda de professores para serem apreendidos.
Recentes pesquisas desenvolvidas em diversos países revelam dados importantes e com isso tivemos um progresso gigantesco no conhecimento das ciências cognitivas em relação ao processo de aprendizagem da leitura e escrita e metodologias de alfabetização.
Um grande exemplo sobre esses estudos é o que foi realizado nos Estados Unidos nos anos 2000: um relatório científico sobre a alfabetização foi produzido por várias universidades, formando o “National Reading Panel”.
O National Reading Panel é um painel nacional de estudos – tendo como objetivo avaliar a eficácia de diferentes abordagens usadas para ensinar as crianças a ler e escrever, baseando em evidências da pesquisa científica.
Depois de uma rigorosa metanálise quantitativa onde foram analisados milhares de estudos sobre alfabetização, os pesquisadores americanos conseguiram identificar os pré-requisitos mais importantes para a criança ter sucesso na alfabetização.
PILARES ESSENCIAIS PARA ALFABETIZAÇÃO
No relatório do National Reading Panel (National Reading Panel, 2000) foram identificados cinco pilares para a alfabetização de qualidade: a consciência fonêmica, a instrução fônica sistemática, a fluência de leitura, o vocabulário e a compreensão de textos.
Trataremos aqui sobre 4 pilares considerados importantes para serem trabalhados desde antes do ensino formal e que formam a base para o sucesso na aprendizagem:
- A aquisição de vocabulário
- A compreensão
- O conhecimento das letras do alfabeto
- A consciência fonológica
Pesquisadores recomendam que essas habilidades básicas devem ser estimuladas desde cedo, tanto em casa quanto na escola de educação infantil, para tornar natural para a criança aprender a leitura e escrita.
COLOCANDO A CIÊNCIA EM PRÁTICA
Seguem ideias para aplicar esses conhecimentos com uma breve descrição conceitual sobre as habilidades preditoras da alfabetização e sugestões de atividades:
1. AQUISIÇÃO DE VOCABULÁRIO
Trabalhar o vocabulário da criança é um dos mais importantes precursores para potencializar o desenvolvimento da alfabetização.
Ter vocabulário é ter repertório de palavras. É quando a criança aprende a nomear as coisas.
A instrução de vocabulário é a chave para aprender a conexão entre falar, ler, escrever e compreender.
Uma atividade para desenvolver essa habilidade:
- Fale com as crianças: quando perguntam, respondemos, inclusive com palavras novas que a criança não conhece.
2. A COMPREENSÃO
Compreender é entender o que se ouve, compreender ordens simples, histórias.
A compreensão faz com que a criança comece a estabelecer o diálogo e assim começa a se socializar e explicar o que pensa.
Uma atividade para desenvolver essa habilidade:
- Contar ou ler histórias: ler para a criança ou ler e estabelecer um diálogo sobre essa leitura – isso desenvolve a memória de trabalho
3. O CONHECIMENTO DE LETRAS DO ALFABETO
Conhecer e nomear as letras do alfabeto é um conhecimento social, a representação visual e auditiva dos sons.
O grande problema da alfabetização está em juntar as letras e formarem palavras com significado e os sons das letras precisam estar organizados numa sequência para termos a ideia do que significa uma palavra.
Uma atividade para desenvolver essa habilidade:
- Com jogos e atividades que envolvam letras móveis
Quando começamos a estimular?
Quando percebemos que a criança consegue identificar os sons das palavras, já estão prontas para aprender a manipular esses sons oralmente, então ela já tem a base para entrar no processo de reconhecimento visual das letras.
4. A CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA
A consciência fonológica é a base da alfabetização. É a capacidade de reconhecer e trabalhar com sons na linguagem falada.
Essa é uma habilidade meta cognitiva, ou seja, que precisa da capacidade de perceber e refletir sobre sons que falamos e entender que a fala é segmentada em sons.
É a capacidade de perceber que a nossa fala pode ser dividida em várias unidades, ou seja, a frase pode ser dividida em palavras, as palavras em sílabas e as sílabas em fonemas.
É a habilidade mais difícil de ser construída, pois inclui várias etapas, envolve memória fonológica (memorizar os sons) e produção fonológica (manipular esses sons).
A consciência fonológica é fundamental para aprender a ler qualquer sistema de escrita alfabética (Ehri, 2004; Rath, 2001; Troia, 2004)
SUB-HABILIDADES DA CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA
A consciência fonológica é composta por um grupo de habilidades que ajudam a explorar os elementos da linguagem e contribuem com o processo de alfabetização:
– CONSCIÊNCIA DE PALAVRAS (consciência sintática)
É a capacidade de segmentar a frase em palavras, organizá-las e dar-lhe sentido.
Essa habilidade é responsável pela escrita não aglutinada das palavras na frase.
Exemplo: VOCÊ PEGOU A BONECA? – VOCÊPEGOUABONECA?
Uma atividade para desenvolver essa habilidade:
- Trabalhe com ordenação de frases de músicas conhecidas ou frases aglutinadas para serem recortadas e separadas as palavras.
– CONSCIÊNCIA SILÁBICA
É a capacidade de segmentar palavras em sílabas, onde a criança precisa identificar e discriminar as sílabas e perceber que a palavra pode ser separada em pedaços.
Uma atividade para desenvolver essa habilidade:
- Coloque a criança em movimento, fazendo-a pisar ou pular com cada sílaba de palavras desenhadas no chão.
Muitos professores fazem a atividade de falar uma palavra e bater palma a cada sílaba, enquanto pronúncia em voz alta. É um bom exemplo, mas pode não funcionar com crianças com autismo ou TDAH.
– RIMAS E ALITERAÇÕES
Aliteração é a repetição de sons de consoantes iguais ou semelhantes.
Exemplo: “O rato roeu a roupa do rei de Roma.”
Essa frase tão conhecida é um exemplo. Nela temos a repetição do som do “R” no início das palavras.
A rima é a correspondência fonética das palavras e se caracterizam pela repetição de sons, conferindo musicalidade à uma frase ou poema. As rimas podem ser:
Da palavra: PASSARINHO| SAPATINHO
Da sílaba: BALÃO | SABÃO
Sonora: OSSO | PESCOÇO
Uma atividade para desenvolver essa habilidade:
- Cantar músicas infantis rimadas e identificar as palavras que combinam
– CONSCIÊNCIA FONÊMICA
A consciência fonêmica é a capacidade de manipular e isolar os fonemas que compõem uma palavra.
Para ter consciência fonêmica a criança precisa ser capaz de ouvir, identificar e manipular os fonemas.
Por exemplo, na linguagem oral as palavras “manto” e “canto” se distinguem apenas pelos fonemas “m” e “c”.
Uma atividade para desenvolver essa habilidade:
- Brinque com a criança de “LETRA MÁGICA”. Mude apenas um fonema para transformar o significado da palavra:
CABELO SE TRANSFORMARIA EM ? _______________ (CAMELO)
COELHO SE TRANSFORMARIA EM? _______________ (JOELHO)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Precisamos valorizar o que professores fazem em sala de aula e o que sabem que funciona em relação à alfabetização.
Países que tiveram sucesso usaram desses conhecimentos e de fato melhoraram a alfabetização de suas crianças, mudaram seu modo de ensinar, revendo suas práticas e buscando fundamentos nas evidências mais atuais da Neurociência para ajudar as crianças a aprender a ler e a escrever de modo mais eficiente.
“Nenhum vento ajuda a quem não sabe para que porto deseja velejar.” Montaignes
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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
National Reading Panel. Report of the National Reading Panel-Teaching Children to Read: An Evidence-Based Assessment of the Scientific Research Literature on Reading and Its Implications for Reading Instruction. Washington, D.C.: National Institute of Child Health and Human Development, 2000.
Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Alfabetização. PNA Política Nacional de Alfabetização/Secretaria de Alfabetização. – Brasília : MEC, SEALF,2019.
BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Comissão de Educação e Cultura. Grupo de trabalho alfabetização infantil: os novos caminhos: relatório final. 2. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, 2007.
Piccoli, Luciana – Camini Patrícia. Práticas pedagógicas em ALFABETIZAÇÃO: espaço, tempo e corporeidade. Erechim: Edelbra, 2012.
SOARES, Magda. Alfabetização e letramento: caminhos e descaminhos. Revista Pátio. Artmed Editora. Unesp: São Paulo, 2004.
Santos, Maria José dos – Maluf, Maria Regina. Intervenções em consciência fonológica e aprendizagem da linguagem escrita. Bol. – Acad. Paul. Psicol. vol.27 no.1 São Paulo jun. 2007. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-711X2007000100014 .Acesso em: 10 de jul. de 2020.
Kelli Johnson, MA. 9 Ways to Build Phonological Awareness in Pre-K and Kindergarten. Disponível em: https://www.understood.org/en/school-learning/learning-at-home/encouraging-reading-writing/9-ways-to-build-phonological-awareness-in-pre-k-and-kindergarten .Acesso em: 10 de jul. de 2020.
Kelli Johnson, MA. 8 Ways to Build Phonological Awareness in Grade-Schoolers. Disponível em: https://www.understood.org/en/school-learning/learning-at-home/encouraging-reading-writing/8-ways-to-build-phonological-awareness-in-grade-schoolers .Acesso em: 10 de jul. de 2020.
Luciana Brites. Quais são as sub-habilidades da consciência fonológica? NeuroSaber. Disponível em: https://neurosaber.com.br/quais-sao-as-sub-habilidades-da-consciencia-fonologica/ .Acesso em: 10 de jul. de 2020.
Paula Salas. PNA: O que o MEC pensa sobre Alfabetização? NOVA ESCOLA, 10 de Setembro de 2019. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/18313/pna-o-que-o-mec-pensa-sobrealfabetizacao .Acesso em: 10 de jul. de 2020.
Assessoria de Comunicação Social. Coordenador do MEC analisa o grande debate sobre os métodos de alfabetização. Portal MEC, 3 de abril de 2019. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/ultimas-noticias/222-537011943/74761-coordenador-do-mec-analisa-o-grande-debate-sobre-os-metodos-de-alfabetizacao .Acesso em: 10 de jul. de 2020.
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A Professora Denise Ferreira é apaixonada pela arte de educar. É pedagoga, especialista em desenvolvimento humano pela UNICAMP e pós-graduanda em Gestão Escolar pela USP.
Tem extensa experiência como professora, coordenadora pedagógica e no trabalho de formação de professores.
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Nesse trabalho divulga conteúdos com ideias criativas, inspiração e ajuda para que a vida dos professores seja mais leve e produtiva.
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As práticas mencionadas fazem parte da sala de aula de todo professor alfabetizador mas é sempre bom lembrar e também para os iniciantes de pedagogia.
Denise, parabéns!!! Maravilhosa a sua apresentação na Educa Week. Conhecimento, segurança, domínio e leveza. Você foi fantástica. Vou assistir de novo e de novo. Obrigada por compartilhar tanta sabedoria com tanta simpatia.
Obrigada! É muito bom receber seu feedback 🙂
Seja sempre bem vonda por aqui!
Estou anestesiada com o seu painel no EducaWeek! Parabéns professora Denise
Obrigada!! Fico feliz em ajudar 🙂
Adorando sua fala! Parabéns!
Que bom! Seja sempre bem vinda por aqui!