
Por Professora Denise Ferreira
Educadores enfrentam desafios diários para manter o controle de turmas agitadas que muitas vezes não cumprem as regras de convivência.
Neste artigo, discutiremos como compreender o desenvolvimento da moralidade na infância e na adolescência através das teorias de Piaget e Kohlberg, e como elas podem oferecer insights valiosos para ajudar na criação de estratégias eficazes para lidar com essas situações na prática.
POR QUE ESSE ASSUNTO É IMPORTANTE?
Compreender o desenvolvimento da moralidade na infância e adolescência é importante por várias razões e dentre elas:
- Auxiliar na prevenção de comportamentos problemáticos, como bullying, agressão e delinquência juvenil
- Promover o bem-estar emocional e social;
- Construir relacionamentos positivos e saudáveis…
Com essas informações podemos compreender as motivações por trás desses comportamentos e criar ações para ajudar no desenvolvimento da moralidade dos pequenos.
MAS, AFINAL, O QUE É MORALIDADE?
Moralidade é um conjunto de regras e normas de convivência social ou guias de ação que nos influencia nas nossas escolhas sobre o que devemos ou não fazer e como o fazer, dentro da sociedade que vivemos.
As normas morais obedecem sempre a três princípios:
1. Auto obrigação: São caracterizadas por uma obrigação interna, ou seja, valem por si mesmas independentemente do exterior, sendo essenciais do ponto de vista individual.
2. Universalidade: São válidas para toda a humanidade, abrangendo todos sem exceção.
3. Incondicionalidade: Não estão sujeitas a prêmios ou penalizações, sendo praticadas sem outra intenção ou finalidade.
“Ninguém é igual a ninguém. Todo o ser humano é um estranho ímpar.” (Carlos Drummond de Andrade)
CONHEÇA AS PRINCIPAIS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO
Compreender o crescimento, aprendizado e transformações ao longo da vida das pessoas requer o conhecimento das principais teorias do desenvolvimento humano. Abaixo estão algumas das teorias mais impactantes nesse campo.
- Teoria do Desenvolvimento Cognitivo de Piaget:
Descreve quatro estágios nos quais as crianças constroem seu entendimento sobre o mundo, passando de ações físicas para pensamento lógico e abstrato.
- Teoria Sociocultural de Vygotsky:
Destaca a influência das interações sociais e culturais no desenvolvimento cognitivo, com ênfase na zona de desenvolvimento proximal e na aprendizagem social.
- Teoria Psicanalítica de Freud:
Centrada nos estágios psicossexuais, que moldam a personalidade por meio de conflitos entre o id, ego e superego..
O DESENVOLVIMENTO HUMANO, SEGUNDO A TEORIA DE JEAN PIAGET
Piaget foi um biólogo, psicólogo e epistemólogo suíço, considerado um dos mais importantes pensadores do século XX.
Ele defende em suas pesquisas que o aprendizado é construído ativamente pela criança, e ocorre durante suas interações com o ambiente, pessoas e objetos. Esse processo de aprendizado é dinâmico e resulta da atividade mental da criança em resposta às experiências do mundo ao seu redor.
FASES DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL SEGUNDO PIAGET:
Em seu trabalho, Piaget argumenta que o desenvolvimento cognitivo e moral estão interligados, e que as crianças constroem sua compreensão sobre o certo e o errado à medida que passam por estágios específicos de desenvolvimento cognitivo.
Conhecer como ocorre esse desenvolvimento infantil nos traz um contexto importante para entender como a moralidade se desenvolve na prática:
1. Estágio Sensório-Motor (do nascimento aos 2 anos):
A criança explora o mundo através dos sentidos e das ações físicas, desenvolvendo a noção de permanência do objeto.
Exemplo: Quando a criança tem aquela mania de levar tudo até a boca e de jogar as coisas no chão…
2. Estágio Pré-Operacional (dos 2 aos 7 anos):
A criança começa a usar símbolos e linguagem, mas ainda tem dificuldade em compreender a lógica e o ponto de vista dos outros. A criança ainda é egocêntrica.
Exemplo: Brincar de faz de conta, de comidinha, de criar histórias e desenhar fazem parte do aprendizado nessa fase.
3. Estágio das Operações Concretas (dos 7 aos 12 anos):
A criança adquire a capacidade de pensar logicamente sobre eventos concretos e observáveis.
O egocentrismo diminui e a criança passa a ter maior capacidade de se colocar no lugar do outro e entender conceitos morais de certo e errado (por volta dos 7 anos).
Exemplo: Os aprendizados se constroem a partir da observação e pela tentativa e erro. É a fase da alfabetização e aprendizagem das operações matemáticas.
4. Estágio das Operações Formais (de 12 anos em diante):
O adolescente desenvolve o pensamento abstrato e hipotético, capaz de raciocinar sobre conceitos abstratos e considerar múltiplas perspectivas.
Exemplo: Começa a entender teorias, doutrinas e conceitos, sendo capaz de fazer leituras críticas do mundo ao redor (e criticar muito os pais!).
FASES DO DESENVOLVIMENTO DA MORAL, SEGUNDO PIAGET:
“Toda moral consiste num sistema de regras e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por estas regras”. (Piaget,1977)
De acordo com Piaget, interações entre pares são fundamentais para a construção de sentimentos sociais e morais, valores e competência social e intelectual de uma criança. Conforme descrito por Piaget, o desenvolvimento moral segue estágios que se alinham com as etapas do desenvolvimento humano, que acontece em três fases que se sucedem, sem constituir estágios propriamente ditos:
1. ANOMIA (pré-moral) (crianças até aproximadamente 4 ou 5 anos)
A: Negação | Nomia: regra, lei
Ausência ou negação de regras
Durante essa fase, as crianças ainda estão desenvolvendo um senso de moralidade e podem exibir comportamentos que refletem uma falta de compreensão das regras morais ou uma tendência a desconsiderá-las.
- Ausência ou negação de regras: Quando a criança nasce, precisa descobrir que existem regras. Enquanto não conhece, usa o choro para se comunicar.
- Racionalização de comportamentos inadequados: As crianças justificam suas transgressões com raciocínios egocêntricos, , sem considerar plenamente as normas sociais ou morais.
- A moral não se coloca, ou seja, as regras não são seguidas, porém o indivíduo ainda não está mobilizado pelas relações bem x mal. Suas ações são mais influenciadas por necessidades imediatas e egocêntricas.
2. HETERONOMIA (crianças de 6 a 10 anos)
Hetero: diferente | nomia: regra, lei
A lei, a regra vem do exterior, do outro.
Nessa fase, as crianças geralmente percebem as regras como absolutas e fixas, determinadas por figuras de autoridade como pais, professores ou outras figuras adultas.
- Respeito às regras sem questionamento: As crianças seguem as regras sem considerar sua justiça ou contexto, demonstrando uma obediência cega às figuras de autoridade.
- Obediência cega: As crianças obedecem às regras sem compreender completamente o motivo por trás delas. Ocorre de maneira egocêntrica, através da imitação do que é observado.
- Construção dos valores: Acontece através da coerção dos adultos com quem a criança convive. A relação de respeito é unilateral.
3. AUTONOMIA (10 anos em diante)
Auto: próprio | nomia: regra, lei
Capacidade de governar a si mesmo
Corresponde ao último estágio do desenvolvimento da moral. Durante essa fase, as crianças começam a desenvolver um senso mais sofisticado de moralidade, no qual consideram as intenções por trás das ações e reconhecem que as regras são flexíveis e negociáveis.
- A criança entende e respeita as regras pela afetividade e não mais pelo medo.
- Para a criança, a moralidade através da reciprocidade implica que o respeito às regras que decorrem de acordos mútuos entre as pessoas, permitindo se veja como uma possível “legisladora” em um ambiente de cooperação dentro de um grupo.
- Jogos de regras e de cooperação são facilitadores no desenvolvimento da autonomia.
É interessante notar que, seguindo os estudos de Piaget, encontramos adultos que podem estar em plena fase de anomia ou da heteronomia.
O DESENVOLVIMENTO DA MORAL, SEGUNDO KOHLBERG:
Lawrence Kohlberg, psicólogo norte-americano, realizou uma expansão da teoria do desenvolvimento moral de Jean Piaget.
Foi o primeiro seguidor do trabalho de Piaget sobre o raciocínio moral. Para ele, o enfoque não estava na diferenciação entre o certo e o errado, mas sim em como alcançamos essa compreensão de moralidade.
Através de uma série de entrevistas e estudos, ele notou que o desenvolvimento do senso moral se aprofunda conforme as crianças amadurecem.
OS ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO MORAL, SEGUNDO KOHLBERG:
Kohlberg, estabeleceu 3 níveis de desenvolvimento da moral:
1. A moral pré-convencional
2. A moral convencional
3. A moral pós-convencional
Cada nível tem dois estágios, com a obediência e a orientação à punição em uma extremidade do espectro e princípios universais na outra.
NÍVEL 1: MORALIDADE PRÉ-CONVENCIONAL (início da infância, até 9 anos)
– Baseada nos interesses pessoais
Neste nível, as escolhas das crianças são principalmente influenciadas pelas expectativas dos adultos e pelas consequências de quebrar as regras.
- Obedecer às regras para evitar punição ou ter recompensas
- Agir sob controle externo e seguir as regras dos adultos
Estágio 1 (Obediência e Punição):
Essa fase é característica principalmente em crianças pequenas, mas também é observada em adultos, marcada pela percepção de que as regras são fixas e absolutas, sendo a obediência considerada importante como meio de evitar punições.
Exemplo: Uma criança não rouba um brinquedo porque tem medo de ser castigada pelos pais ou pelo professor.
Estágio 2 (Individualismo e Troca):
Neste estágio, as crianças iniciam a consideração de diferentes pontos de vista, avaliando as ações com base em como atendem às necessidades individuais.
A reciprocidade é valorizada, mas, apenas se estiver em consonância com os próprios interesses.
Exemplo: Uma criança compartilha um lanche com um colega porque espera receber algo em troca ou para ser aceita pelo grupo.
NÍVEL 2: MORALIDADE CONVENCIONAL (final da infância e início da adolescência)
– Moralidade ligada a leis e regras sociais (aprovação social)
Durante este período, ocorre a aceitação das regras sociais sobre o que é considerado bom e moral.
Adolescentes e adultos internalizam os padrões morais que aprenderam com modelos de referência e com a sociedade.
Exemplo: As pessoas internalizaram os padrões das figuras de autoridade – estão preocupadas em ser ‘boas’, agradáveis uns com os outros e manter a ordem social.
Estágio 3 (Desenvolvimento de Boas Relações Interpessoais):
Chamado de orientação “menino bom – menina boa”, este estágio está centrado em cumprir as expectativas e os papéis sociais.
Existe uma forte ênfase na conformidade, na bondade e na consideração dos impactos das escolhas nas relações interpessoais.
Exemplo: A pessoa segue as regras de uma atividade em grupo para evitar ser excluída pelos colegas e manter a harmonia no grupo.
Estágio 4 (Manutenção da Ordem Social):
O objetivo principal deste estágio é preservar a ordem social. As pessoas passam a ponderar sobre a sociedade como um todo em suas avaliações, dando prioridade à preservação da lei e da ordem, aderindo às normas, cumprindo seus deveres e respeitando a autoridade.
Exemplo: Uma pessoa respeita as leis de trânsito porque reconhece a importância de seguir regras para manter a segurança de todos na comunidade.
NÍVEL 3: MORALIDADE PÓS-CONVENCIONAL (final da adolescência em diante)
– Moralidade ligada a princípios abstratos (direitos consensuais e princípios éticos pessoais)
- As pessoas reconhecem os conflitos entre padrões morais e fazem seus próprios julgamentos com base em princípios de correção e justiça.
- O que define é o julgamento que está por trás da resposta a um dilema moral e não a resposta em si.
Estágio 5 (Contrato Social e Direitos Individuais):
A noção de contrato social e direitos individuais motiva as pessoas a valorizarem os diversos valores, opiniões e crenças dos outros.
Embora as leis sejam cruciais para a estabilidade social, é essencial que os membros da sociedade estejam de acordo com esses padrões.
Exemplo: Uma pessoa se posiciona contra uma injustiça e participa de um protesto pacífico para defender os direitos das outras pessoas.
Estágio 6 (Princípios Universais):
Este estágio é fundamentado em princípios éticos universais e no raciocínio abstrato.
Aqui, as pessoas seguem esses princípios de justiça, mesmo que isso signifique entrar em conflito com leis e regulamentos.
Exemplo: Uma pessoa se recusa a mentir, mesmo que isso signifique enfrentar consequências negativas, porque acredita firmemente na importância da honestidade como um valor moral fundamental.
De acordo com os estudos de Kohlberg, poucas pessoas atingem a moral pós convencional.
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Os modelos teóricos que apresentei acima representam apenas uma breve visão da diversidade de abordagens pelas quais o construtivismo elucidou o desenvolvimento moral.
Comente abaixo se gostaria de ver mais sobre o assunto aqui no blog e o que achou do tema!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS:
ASSIS, Orly Zucatto Mantovani de. PROEPRE. Prática Pedagógica. 2.ed. Campinas, SP: UNICAMP/LPG, 1999.
LA TAILLE, Y. de. Moral e ética: dimensões intelectuais e afetivas. Porto Alegre: Artmed, 2006.
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PIAGET, J. A Psicologia da inteligência. Trad. Egléa de Alencar. São Paulo: Editora Vozes Limitada, 1958/ 2013. (Publicado originalmente em 1958).
PIAGET, J. O juízo moral na criança. Trad. Elzon Lenardon. São Paulo: Summus Editorial, 1932/1994. (Publicado originalmente em 1932).
ACADEMIA DO PSICÓLOGO. Teoria do Desenvolvimento Moral de Kohlberg. Disponível em: https://academiadopsicologo.com.br/areas-de-atuacao/teoria-do-desenvolvimento-moral-de-kohlberg-2/ . Acesso em: [17/05/2024].
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KOHLBERG, L. Psicologia del desarrollo moral. Bilbao: Editorial Desclée de Brower, 1992. Disponível em: https://www.academia.edu/43535517/Kohlberg_Lawrence_Psicolog%C3%ADa_Del_Desarrollo_Moral . Acesso em: [17/05/2024].
AMENTEEMARAVILHOSA. A teoria do desenvolvimento moral de Kohlberg. Disponível em: https://amenteemaravilhosa.com.br/teoria-do-desenvolvimento-moral-de-kohlberg/ . Acesso em: [17/05/2024].
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A Professora Denise Ferreira é apaixonada pela arte de educar. É pedagoga, palestrante e formadora em cursos para professores, é colaboradora do Laboratório de Psicologia Genética /LPG–FE–UNICAMP e pós-graduada em Gestão Escolar pela USP.
Tem extensa experiência como professora, coordenadora pedagógica e no trabalho de formação de professores.
É autora, curadora e produtora do Instagram, Facebook, Youtubee aqui do Blog Papo da Professora Denise, somando mais de 1 milhão de seguidores em suas redes sociais.
Nesse trabalho divulga conteúdos com ideias criativas, inspiração e ajuda para que a vida dos professores seja mais leve e produtiva.
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